Porto de Setúbal - Mudança de Rumo Impõe-se
Face às constantes acções da APSS em deturpar a realidade dos factos que envolveram o processo de concessão do porto de Setúbal e, mais recentemente, acerca da real situação que marca o início das operações nas áreas concessionadas, e atendendo às informações insuficientes e pouco claras que vão chegando ao público em geral, e aos próprios órgãos de comunicação social, sentiu a ANESUL necessidade em lançar um caderno de notícias especial em relação a esta temática.
Uma vez que também pretendemos fazer chegar esta informação ao maior número de pessoas e entidades possíveis, deixamos igualmente todo o texto que integra o referido suplemento aqui no Blog da ANESUL, sendo que o mesmo está disponível na sua "versão original" , em formato "pdf" na coluna à direita.
Especial ANESUL - SEMMAIS Jornal, Suplemento - 24 de Março de 2005
Porto de Setúbal mudança de rumo impõe-se
"NA SEQUÊNCIA de uma desesperada estratégia de marketing político, a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra - APSS, S.A., tem vindo a insinuar-se junto da opinião pública e dos órgãos de poder, através da publicação, em diversos órgãos da comunicação social (local, generalista e especializada), de notícias que visam a apresentação do porto de Setúbal como um el dorado onde tudo corre às mil maravilhas, mas que, para os observadores mais atentos, outra finalidade não terá que não seja uma derradeira tentativa de conseguir a manutenção de cargos, na era pós 20 de Fevereiro de 2005.
Ora, é entendimento da ANESUL, enquanto associação empresarial defensora dos interesses profissionais dos agentes de navegação, das empresas de estiva e empresas de trabalho portuário que exercem actividade no porto de Setúbal, que chegou o momento de dizer, preto no branco, que o rei vai nu; que a realidade do porto de Setúbal é, infelizmente, outra e bem diversa daquela que os administradores da APSS (sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos) têm pretendido vender na comunicação social.
E, para tal, é necessário que recuemos a meados de 2001, altura em que foi lançado o “Concurso Público para a Concessão do Terminal Multiusos no Porto de Setúbal”, habitualmente conhecido como o “Cais das Fontainhas”, e mais especificamente a Novembro de 1997, altura em que a APSS apresentou à Comissão Europeia um pedido de financiamento para um projecto de construção a que chamou “Terminal Multiusos/Plataforma Multimodal”.
A GÉNESE DO CONCURSO PÚBLICO
Tal projecto visava, “a construção de um Terminal para a movimentação de carga Roll On-Rol Off” (cargas sobre rodados, veículos, máquinas, etc.) “e multiusos, sem prejuízo de uma utilização futura para a movimentação especializada de contentores.”
Enquanto tal pedido estava em apreciação em Bruxelas, o Eng. Consiglieri Pedroso, ao tempo Secretário de Estado Adjunto do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, chefiado pelo Ministro Eng. João Cravinho, proferiu em 22.06.99 um Despacho, dirigido à APSS, que visou aprofundar e definir com maior rigor o âmbito do projecto de investimentos e obras a realizar no porto de Setúbal com os fundos comunitários pedidos à Comissão Europeia.
Nesse Despacho, constatava-se a real necessidade de aumentar a capacidade do terminal Ro-Ro, de serviço público, exclusivamente dedicado à movimentação de viaturas completas; considerava-se que competia ao Governo, enquanto garante de uma política sectorial que integre dinâmicas de expansão e modernização do porto de Setúbal, por um lado, e de racional aplicação de fundos públicos, por outro; determinava-se que a APSS procedesse de imediato a um reajustamento do plano de ordenamento do porto de Setúbal, com base nos seguintes elementos programáticos:
Adjudicação, imediata, do concurso lançado sob a epígrafe “Terminal de Contentores/Plataforma Multimodal”, no entendimento de que a futura funcionalidade operacional deverá corresponder, rigorosamente, a dois terminais adjacentes, … ou seja, um Terminal Multiusos e um Terminal Ro-Ro, exclusivamente dedicado à movimentação de viaturas completas …
A verdade é que a APSS acabou por receber € 14.881.800 de fundos comunitários, tendo com o dinheiro feito coisa muito diferente da que foi definida no Despacho citado e da que se propôs fazer no respectivo pedido de financiamento.
O LANÇAMENTO DO CONCURSO PÚBLICO
Com efeito, o lay-out do concurso público lançado pela APSS em meados de 2001, não só não respeitou as determinações governamentalmente definidas, como não deu cumprimento àquilo com que a APSS se comprometeu aquando do pedido de financiamento, já que o Caderno de Encargos respectivo impôs aos concorrentes o que se pode apelidar de uma autêntica balbúrdia em termos de especialização de terminais, permitindo, por exemplo, a movimentação simultânea de granéis com viaturas automóveis novas, num mesmo terminal; impondo, na mesma zona, a movimentação de veículos pesados ao mesmo tempo que proibia a movimentação de veículos ligeiros (quando os navios transportam uns e outros conjuntamente).
A arquitectura do Caderno de Encargos do referido concurso, nos moldes em que foi delineada, traduz um completo desconhecimento dos mais elementares princípios subjacentes a qualquer concessão portuária, em matéria de organização e especialização dos terminais a concessionar, como, de resto, foi já reconhecido por especialistas estrangeiros consultados pela ANESUL.
BREVE HISTORIAL DO PROCESSO DE CONCURSO
Mas as ilegalidades não se ficaram por aqui, antes acompanharam todo o processo do concurso público.
Citem-se alguns exemplos.
Desde logo, verificaram-se ilegalidades no acto de admissão a concurso das propostas de um dos concorrentes, propostas essas que, de acordo com pareceres de reputados administrativistas (dos quais cabe destacar o Prof. Sérvulo Correia), deveriam ter sido liminarmente rejeitadas.
Além da utilização de critérios de avaliação não previstos, os próprios critérios utilizados pela APSS na avaliação das propostas, além de mal aplicados, não garantiram a necessária isenção e o primado do interesse público com a indispensável transparência que o processo exigia.
A APSS, totalmente contra o definido no Caderno de Encargos, alterou o objecto do concurso público, através da redução das áreas a concessionar, em momento posterior à entrega das propostas pelos concorrentes. Ou seja, alterou as regras do jogo depois deste começar …
A APSS manteve negociações por mais de dez meses com um dos concorrentes, enquanto que, com o outro deu unilateralmente por encerradas as negociações ao fim de sete meses, acabando por declarar a sua exclusão definitiva do concurso, alegando injustificada insuficiência de condições processuais para prosseguir.
Foi justamente neste contexto que a APSS acabou por ilegalmente afastar do concurso um dos concorrentes, para ficar a negociar apenas com o outro, ao qual acabou por atribuir, em regime de monopólio, a totalidade das áreas em concurso.
Na verdade, a APSS acabou por assinar os Contratos de Concessão em 16 de Julho de 2004, sexta-feira à noite, num momento de efectivo vazio político, precisamente na véspera da tomada de posse do Governo presidido por Santana Lopes, tendo obtido, apenas na véspera da assinatura, no último momento, a conveniente cobertura política, durante largos meses recusada, do então Ministro do anterior governo, Carmona Rodrigues, ao tempo confinado a funções de mera gestão.
A ILEGALIDADE DAS ALTERAÇÔES DO CADERNO DE ENCARGOS OPERADAS PELA APSS NOS CONTRATOS DE CONCESSÃO
Um dos princípios basilares subjacentes a qualquer concurso público é o da inalterabilidade do Caderno de Encargos, elemento fundamental definidor do objecto e dos termos da concessão. A violação de tal princípio implica, assim, a ilegalidade dos Contratos de Concessão onde tal violação vem consumada.
Nos Contratos de Concessão assinados entre a APSS e o concorrente a quem foram atribuídas as concessões, foram ilegalmente acordadas diversas alterações ao Caderno de Encargos que, de uma forma geral, se traduzem num acréscimo de benefícios para as concessionárias, em prejuízo do próprio Estado e que, de acordo com parecer jurídico elaborado pelo Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, implicam a anulação do concurso. Enumerem-se alguns, a título de exemplo:
Nos termos do Caderno de Encargos, a responsabilidade pelas dragagens do porto de Setúbal, eram da responsabilidade conjunta da APSS e das concessionárias; os Contratos de Concessão prevêem que essa responsabilidade seja exclusivamente da APSS.
Quanto à alteração das condições das concessões, o Caderno de Encargos nada dispunha, ao passo que os Contratos prevêem que as concessionárias possam pedir a revisão das condições das concessões, tendo em vista o respectivo equilíbrio financeiro.
O Caderno de Encargos estipulava que a actualização de rendas dominiais deveria operar-se de acordo com o coeficiente de actualização das rendas nos contratos de arrendamento não habitacionais e os Contratos de Concessão impõem que essa actualização seja feita de acordo com o índice de preços no consumidor – IPC – sem habitação, donde resulta um prejuízo para a APSS (para o Estado) de cerca de € 550.000 durante os vinte anos das concessões.
O Caderno de Encargos proibia a transferência da exploração do serviço público concessionado; os Contratos permitem-na com o prévio consentimento da APSS.
Os documentos assinados pela APSS e pelas concessionárias determinam uma redução das áreas concessionadas relativamente ao definido no Caderno de Encargos, o que só por si implica – com prejuízo para o Estado – uma enorme redução das rendas dominiais que, de acordo com o Caderno de Encargos, as concessionárias estavam obrigadas a pagar.
O ACORDO DIRECTO CELEBRADO ENTRE A APSS E OS BANCOS FINANCIADORES DAS CONCESSIONÁRIAS
Ainda no âmbito dos Contratos de Concessão, foram assinados entre a APSS, as concessionárias e o sindicato bancário que as financiou, aquilo a que chamaram um Acordo Directo, altamente comprometedor para o interesse público e sem paralelo na história das concessões portuárias em Portugal.
Na verdade, de acordo com reputados juristas consultados pela Anesul, a estrutura financeira das propostas do Concorrente preferido pela APSS teve por base um modelo de financiamento em project finance (inexistente noutras concessões portuárias), que pressupõe uma intervenção decisiva da concedente (APSS) ao nível da prestação de garantias aos bancos financiadores das concessionárias.
Desde logo, a APSS aceitou implicitamente aquele modelo que, usualmente, apenas é utilizado em concessões que impliquem não apenas a exploração dum serviço público mas também uma obra de construção.
De forma a viabilizar o recurso ao project finance segundo o modelo da proposta em negociação, a APSS, as concessionárias e os bancos financiadores tiveram que discutir, a três, a criação e definição de determinadas regras e vínculos jurídicos não previstos nas regras do concurso, consagradas no dito Acordo Directo e nos Contratos de Concessão, das quais se destacam:
- A APSS, na qualidade de concedente, obrigou-se perante os bancos a assumir o Serviço da Dívida (soma dos encargos devidos em cada momento pelas concessionárias aos seus bancos financiadores), nos casos de resgate da concessão, extinção do serviço por interesse público, suspensão da concessão (caso em que a APSS assume também os custos dos estivadores) e rescisão da concessão decretada por Tribunal Arbitral.
- A APSS autorizou a constituição de diversas garantias (hipotecas, constituição de penhores, cessões de créditos e opções de compra de acções) a favor dos bancos financiadores das concessionárias, traduzidas quer na oneração de bens (públicos) da concessão, quer relativas às acções representativas do capital social das concessionárias.
O recurso ao project finance em sede de concessões pressupõe, por princípio, que as regras do concurso prevejam desde logo essa opção.Com efeito, tratando-se de uma modalidade específica de financiamento, cuja viabilidade dependeria sempre da colaboração activa da APSS no esquema delineado, a possibilidade do recurso à mesma deve encontrar-se previamente prevista, em obediência aos princípios da contratação pública (transparência, publicidade e concorrência).
Ora, no que se refere ao caso de Setúbal, nem na Lei de Bases das Concessões, nem no Programa do Concurso, nem no Caderno de Encargos, se previa que o modelo de financiamento dos concorrentes pudesse assentar no project finance. Daqui resulta que os concorrentes sabiam que os pressupostos financeiros da sua proposta não podiam ficar na dependência de uma qualquer articulação com a APSS, dado esta não se encontrar prevista. Se assim não fosse, outros potenciais concorrentes poderiam eventualmente ter apresentado uma proposta mais vantajosa para a APSS, caso soubessem que essa mesma proposta poderia assentar num modelo de project finance.
Daí que legitimamente se conclua que a APSS, ao contrário do que fez, não poderia ter aceite negociar uma proposta assente num modelo de project finance, porquanto isso pressupunha uma intervenção activa na viabilidade desse modelo, em termos que não estavam previstos nem regulados nas regras do concurso.
De facto, a colaboração activa da APSS teve o seu expoente máximo na discussão e elaboração do Acordo Directo com os bancos financiadores das concessionárias, acordo esse que era a peça chave para a viabilidade financeira da proposta do concorrente preferido pela APSS. Donde resulta que a intervenção da APSS, à margem das regras do concurso, foi decisiva – qual mão protectora – para que, no final, as concessões viessem a ser adjudicadas àquele concorrente, pela própria APSS.
Daí que o Acordo Directo, na medida em que traduz uma actuação ilegal da APSS em favor da viabilidade da proposta que veio, a final, a ser aceite, constitui só por si, de acordo com os juristas consultados pela ANESL, fundamento autónomo da ilegalidade do acto de adjudicação, sendo que essa ilegalidade necessariamente projecta os seus efeitos na invalidade dos Contratos de Concessão.
BENEFÍCIOS FINANCEIROS ILEGÍTIMOS CONCEDIDOS PELA APSS ÀS CONCESSIONÁRIAS SÃO SUSCEPTÍVEIS DE ATINGIR, DURANTE O PRAZO DAS CONCESSÕES, VALORES DA ORDEM DOS VINTE MILHÕES DE EUROS
No quadro definido para as duas concessões do Terminal Multiusos do porto de Setúbal, a APSS – sob a égide do Conselho de Administração – concedeu, em desespero de causa, uma série de benefícios ilegais (alguns já referidos, como é o caso da alteração dos coeficientes de actualização das rendas) de natureza financeira, por não previstos no Caderno de Encargos do concurso, que visam a viabilização das concessões, dessa forma mitigando as responsabilidades que a APSS assumiu perante os bancos financiadores das concessionárias.
No que se refere, por exemplo, à chamada Zona 1, foi concessionada uma área inferior, em 4.180 m2, à prevista no Caderno de Encargos, o que só por si representa uma redução mensal da renda em cerca de €. 2.700,00, ou seja, cerca de € 652.000,00 durante os vinte anos da concessão.
Também na Zona 1 a APSS congeminou com a concessionária respectiva outro desconto (Anexo XIII ao contrato de concessão), falaciosamente apelidado de “Medida de reequilíbrio da concorrência” entre a Zona 1 e o Terminal Público Roll-On/Roll Off, nos termos do qual se pratica um desconto nas rendas da ordem dos € 14.000,00 mensais, ou seja, cerca de € 3.400.000,00 no período da concessão. Fundamenta a APSS este desconto no facto de as empresas que trabalham no Terminal Público não pagarem rendas, esquecendo-se, todavia, de que sempre assim foi e essa situação era sobejamente conhecida dos concorrentes à data do lançamento do concurso, não constituindo um dado novo, desconhecido à partida.
Quanto à Zona 2 da concessão, foi concessionada uma área inferior, em 16.174 m2, à prevista no Caderno de Encargos, representando essa redução um desconto nas rendas da ordem dos € 12.600,00, mensais, que a vinte anos, se cifra em mais de € 3.000.000,00.
Além disso, foi ainda operada outra redução da área concessionada (Anexo XIII ao contrato respectivo) em cerca de 41.000 m2, que representam um desconto mensal de cerca de € 32.000,00, nas rendas a pagar pela concessionária, ou seja, aproximadamente € 7.680.000,00 nos vinte anos da concessão.
A APSS concedeu, também, à concessionária da Zona 2 uma isenção do pagamento da taxa devida por movimentação de máquinas (€ 2,34/máquina), que igualmente significa alguns milhares de euros anuais.
A APSS autorizou as concessionárias a cobrar a chamada taxa de utilização de defensas (protecções entre os navios e o muro cais), que ela própria já cobra por estar incluída na chamada “Taxa de Uso do Porto”, paga pelos navios (que assim pagam duas vezes o mesmo serviço). Este benefício ilegítimo representa, de acordo com projecções efectuadas pela ANESUL, uma receita de cerca de € 800.000,00 nos vinte anos das concessões.
A “reboque” da concessão, em regime de serviço público, da actividade de movimentação de cargas na zona portuárias, a APSS “entregou” às concessionárias o exclusivo da actividade de amarração de navios nas áreas concessionadas, sem que tal estivesse previsto no Caderno de Encargos do Concurso. Este ajuste directo ilegal, além de colocar em perigo a subsistência das várias empresas de amarrações do porto de Setúbal que, de resto, estão elas próprias a licenciamento para o exercício da actividade pela APSS, traduz-se num benefício económico ilegítimo concedido às concessionárias que, de acordo com estimativas da ANESL, apontam para cerca de € 2.500.000,00 no prazo das concessões.
A APSS, mediante a publicação de uma Ordem de Serviço em Novembro último, e para coagir os armadores a levarem os navios a descarregar máquinas e outros veículos pesados nas áreas concessionados, obriga-os a pagar uma taxa (que não é mais do que um verdadeiro imposto confiscatório) de € 75,00 por unidade descarregada até quatro e € 180,00 a partir da quinta, se quiserem descarregar no Terminal Público (não concessionado e com custos de operação mais atraentes para os armadores), entregando, depois, o produto do confisco às concessionárias. Este imposto, representa a outorga de mais um benefício ilegal às concessionárias, arquitectado pela APSS, em prejuízo dos armadores e do interesse público-portuário, traduzido anualmente em largas dezenas de milhares de euros.
Realce-se, de novo, que as concessionárias foram “dispensadas” da obrigação de comparticiparem nos custos das dragagens, conforme estava previsto no Caderno de Encargos do concurso.
Ora, tudo somado, facilmente se concluirá que os benefícios acumulados acima referidos se aproximam dos vinte milhões de euros, mesmo não tendo em conta a natural actualização dos preços no período das concessões, caso em que ultrapassarão largamente aquele valor.
Por último, soube a ANESUL que as concessionárias se preparam para pedir à APSS uma indemnização da ordem dos € 2.500,000,00, fundamentando tal pretensão no mau estado das gruas e pórtico que, por preços especulativos (cerca de € 9.000.000,00) foram obrigadas a adquirir à APSS. Como se aquele equipamento não tivesse sido objecto de vistorias prévias e de autos de recepção e como se o seu estado não fosse prévia e sobejamente conhecido. Segundo a ANESUL sabe, esta pretensão das concessionárias terá obtido acolhimento por parte de alguns sectores dentro da APSS, o que, a confirmar-se, redunda na concessão de mais um benefício económico ilegal, com manifesto prejuízo para o Estado e para o interesse público.
CONCESSÕES DE SETÚBAL : UM MONOPÓLIO INSTALADO
Ao entregar as duas áreas em concurso a um único concorrente, a APSS – contra a lei nacional e comunitária – optou claramente pela via da transformação de um mercado concorrencial num monopólio, no que se refere à operação portuária em Setúbal. Com a agravante de as duas sociedades concessionárias (com igual composição societária) constituídas por aquele concorrente pertencerem a um grupo de empresas que já detém posições largamente dominantes nos principais portos portugueses.
A concessão, por vinte anos, da totalidade das áreas concessionadas a um único concorrente originou já o encerramento de uma das quatro empresas de estiva que existiam no porto de Setúbal, e colocou numa situação deveras preocupante as restantes duas empresas (uma delas com quotas de mercado superiores a 62 % na carga geral e a 96 % na carga Roll-On Roll-Off, em 2003) que se viram impedidas de continuar a operar nas áreas ilegal e arbitrariamente concessionadas pela APSS.
A concessão do Terminal Multiusos do porto de Setúbal a um único concorrente originou uma situação de domínio avassalador por parte desse concorrente sobre infra-estruturas marítimas fundamentais para o abastecimento do país, além de prejudicar objectivamente a competitividade do porto.
Por outro lado, a concessão, nos moldes em que foi levada a cabo pela APSS, tem vindo a determinar a ocorrência de práticas abusivas inevitáveis por parte das concessionárias, em claro detrimento das restantes agências e operadores que actuam no porto de Setúbal e dos seus clientes, porquanto aquele modelo de concessão (concedida em regime de monopólio) induz as concessionárias (ambas pertencentes aos mesmos accionistas) a abusar do seu poder no mercado, através da cobrança de tarifas excessivas e não equitativas aos utilizadores do porto de Setúbal.
CONSEQUÊNCIAS DAS CONCESSÕES A NÍVEL ECONÓMICO-SOCIAL: ENCERRAMENTO DE EMPRESAS E DESEMPREGO
Como desde há muito se adivinhava, o início da exploração das concessões acabou por lançar no desemprego dezenas de trabalhadores que laboravam nas, ou para as, empresas que, de um momento para o outro, se viram impedidas de continuar a exercer a sua actividade nas áreas concessionadas.
O fenómeno do desemprego afectou igualmente trabalhadores de diversas empresas que, a montante e a jusante, prestavam serviços às empresas directamente afectadas.
O arranque das concessões, em Novembro do ano passado, induziu igualmente a criação, pelas concessionárias e pela agência de navegação que com elas está em relação de grupo, duma terceira empresa de trabalho portuário (ETP) no porto de Setúbal, com a finalidade de, também no subsector da cedência de mão-de-obra portuária, conseguir obter o monopólio desta actividade.
Esta situação sem paralelo nos portos nacionais – que apenas foi possível com a “bênção” do Conselho de Administração do Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM) – encerra o mais completo absurdo porquanto o panorama actual e a história do sector portuário português evidenciam claramente que, em cada porto, só deve existir uma ETP.
Na verdade, a actividade de cedência de mão-de-obra portuária é uma actividade de interesse público, sujeita a licenciamento e submetida a uma regulamentação apertada, na qual o IPTM define tarifas, regras de colocação de pessoal portuário e de funcionamento das empresas que, em cada porto, cedem trabalhadores para as operações portuárias.
A verdade é que, mesmo alertado pela ANESUL para a circunstância de que o licenciamento de uma terceira ETP em Setúbal nada acrescentaria em matéria da racionalização da gestão da mão-de-obra, nem contribuiria para o abaixamento da factura portuária, nem para a pacificação da relação inter-empresas no porto de Setúbal, o IPTM deliberou licenciar uma terceira ETP em Setúbal (quando, no espírito da lei vigente, existe uma por porto), aprovando-lhe um Regulamento Interno que contraria as regras de colocação de trabalhadores praticadas pelas outras duas ETP’s e que são as definidas pelo próprio IPTM desde 2001.
O IPTM foi, em devido tempo, igualmente alertado pela ANESUL para a consequência óbvia de que o licenciamento de mais uma ETP, a terceira, atento o exíguo contingente de trabalhadores portuários do porto de Setúbal com vínculo às duas ETP’s existentes (17), iria implicar – como já implicou – um aliciamento dos trabalhadores por parte da nova ETP, que sem mão-de-obra para fornecer às empresas de estiva, se veriam impossibilitadas de continuar a funcionar, remetendo-as para uma situação de falência, que a breve prazo ocorrerá com, pelo menos, uma delas. Também a isto o Conselho de Administração do IPTM foi insensível, acabando por licenciar a terceira ETP do porto de Setúbal sem se importar minimamente com as consequências económico-sociais de tal licenciamento.
AS CONCESSÕES EM SETÚBAL E OS SEUS EFEITOS PRÁTICOS
O Conselho de Administração da APSS tem apresentado persistentemente a sua gestão como de grande relevância na recuperação do passivo e no desenvolvimento do porto de Setúbal.
Nos anos anteriores não deu conta a ANESUL das acções positivas agora propaladas pela APSS. Em 2004, digno de registo, apenas foi feita a assinatura dos contratos de concessão, cujo início de exploração ocorreu em 22 de Novembro de 2004, com resultados extremamente negativos, na perspectiva da ANESUL. Até àquela data, toda a actividade do porto decorreu normalmente, sem intervenção digna de realce, por parte da APSS, no sentido de alterar o que quer que fosse no normal relacionamento comercial com os clientes, o qual é mantido pelos agentes económicos sem que a Administração aí meta prego ou estopa, como é reconhecido por toda a comunidade portuária.
O acto de atribuição das concessões foi dos poucos, se não o único, que teve impacto nas condições de normal funcionamento do porto e, como tal, é sobre o efeito das concessões que deve ser avaliada os actos de gestão da APSS.
Na verdade, da atribuição das concessões e do modo como a APSS geriu este dossier resultou:
* Aumento generalizado dos custos de utilização do porto de Setúbal;
* Perda acentuada de produtividade nas operações portuárias;
* Redução da actividade portuária nas zonas concessionadas;
* O abandono do porto, por parte de armadores importantes;
* Eventual fuga de projectos para os quais o porto de Setúbal constituía um dos atractivos (caso da Lusosider).
O aumento generalizado dos custos operacionais, do qual algumas das empresas do distrito fizeram eco nos meios de comunicação social, tem forçado o abandono progressivo do porto pelos armadores e/ou a mudança do meio de transporte para as vias rodo e ferroviária. Isto é: andamos ao contrário daquilo que é normal, aconselhado e necessário; passamos da via marítima para a via rodoviária colocando nas estradas mais camiões em vez de os retirar.
Não é, certamente, este o panorama de vitória e de grande sucesso apregoado pela APSS, que, num acto de propaganda quase gratuita, insiste em apresentar, para impressionar a opinião pública e certamente o poder político resultante do último acto eleitoral. De facto, é convicção da ANESUL que o desastre está à vista, restando ver até quando poderá ele ser ocultado mediante as ilegalidades que vão sendo praticadas para esconder o descalabro resultante do modo como foi arquitectada a atribuição das concessões no porto de Setúbal, cujo único benefício imediato se traduziu na engenhosa e aparente redução do passivo da APSS.
Com a atribuição das concessões, foram beneficiados:
* A APSS, que vendeu todo o “ferro velho” (gruas e pórtico) que tinha, a preços de máquinas novas;
* A APSS, que assim diminuiu a sua dívida aos bancos, contraída devido à prática de actos de gestão de duvidosa necessidade. Pelas contas da ANESUL, o passivo da APSS terá passado de 14,5 milhões de euros para cerca de 5 milhões, caso todo o dinheiro recebido do “ferro velho” tenha serviu para amortizar passivo.
Tendo sido prejudicados:
* Os operadores portuários, que se viram impossibilitados de continuarem a trabalhar;
* Os concessionários, que aceitaram pagar exageradamente para trabalharem e conseguirem assim uma situação de monopólio, tentando assim conseguir no futuro impor preços especulativos aos clientes;
* Os clientes do porto, que viram de um dia para o outro os seus custos duplicarem;
* O consumidor final, que vai pagar as consequências de todos os erros cometidos;
* Os armadores que viram os seus custos aumentarem por imposição dos tarifários e das regras de natureza operacional da concessão.
Os cais concessionados começaram a trabalhar nesta modalidade em finais de Novembro de 2004, pelo que se impõe a comparação dos três meses de actividade das concessionárias com o período homólogo do ano passado, de modo a demonstrar-se o que resultou, para já, do modo como foram levadas a efeito as concessões. Esta é a comparação a que, no entender da ANESUL deverá proceder-se, isto é, utilizando para o efeito apenas os cais concessionados das Fontaínhas, e não a totalidade dos cais do porto de Setúbal, como convenientemente a APSS pretende.
COMPARAÇÃO DE TONELAGEM E NÚMERO DE NAVIOS OPERADOS
A comparação nos moldes acima referidos, demonstra que, no período considerado (Nov. e Dez./04 e Jan./05) e nos cais concessionados, o porto perdeu 6,2% em tonelagem de carga movimentada e 18,3 % no número de navios operados. O gráfico seguinte mostra como ocorreu a distribuição mensal.
COMPARAÇÃO TONELAGEM E Nº DE NAVIOS, EM % NO TRIMESTRE HOMOLOGO ANTES E DEPOIS DAS CONCESSÕES - CAIS FONTAÍNHAS
Verifica-se, assim, que a tonelagem subiu em Dez 2004, descendo em Janeiro e Fevereiro de 2005 e que, quanto ao número de navios, o decréscimo tem sido acentuado, como qualquer observador do que se passa no porto facilmente se terá apercebido.
Este decréscimo de actividade seria ainda maior se a APSS não obrigasse, mediante uma Ordem de Serviço ilegal, os navios Roll-On Roll Off a operarem nas áreas concessionadas, em detrimento do Terminal Público, no qual, até ao início da exploração das concessões, tais operações sempre se têm realizado.
CARGAS MOVIMENTADAS NO 1.º TRIMESTRE DE ACTIVIDADE DAS CONCESSIONÁRIAS
O número de contentores aumentou, por razões que não se prendem com a vinda de qualquer armador que tenha iniciado escalas no porto de Setúbal, mas sim pelo facto de a carga que anteriormente era transportada em paletes, ter passado a ser transportada em contentores.
Por outro lado, os granéis secos aumentaram ligeiramente, assim como os produtos siderúrgicos, neste último caso devido à importação em navios de grande porte, de chapas de aço para a Lusosider.
Na movimentação dos restantes tipos de carga verificou-se uma redução acentuada – tendo em consideração o curto período de referência – apontando para um valor médio negativo da ordem dos 6,2% da tonelagem.
PERDA DE PRODUTIVIDADE INDUZIDA PELA CONCESSÃO NO PORTO
EVOLUÇÃO NOS 3 MESES DE CONCESSÃO DAS CARGAS COMPARADAS COM PERÍODO HOMÓLOGO ANTES DA MESMA, % NA BASE DA TONELAGEM
A APSS, ao não ter em linha de conta a experiência e as quotas de mercado em Setúbal, para atribuição das concessões, tem contribuído de uma forma negativa para que o porto se torne cada vez menos competitivo. De facto, a juntar à perda de competitividade do porto, em resultado do aumento dos preços, há a acrescentar a redução acentuada de produtividade nas operações portuárias, expressa em toneladas por homem de carga movimentada. Esta situação releva-se de grande gravidade, porquanto significa que o porto de Setúbal caminha em sentido contrário ao desejável. As perdas de 20% na produtividade tem uma expressão nos custos das operações demasiado elevada, obrigando os armadores a escolher alternativas ao porto de Setúbal.
PERDA DE PRODUTIVIDADE INDUZIDA PELA CONCESSÃO, TON./HOMEM, EXPRESSA EM % NO PERÍODO HOMÓLOGO
A CONCESSÃO COMO MEIO PARA ACABAR COM A CONCORRÊNCIA
Com a atribuição das concessões a um único grupo a APSS contribuiu para a criação do monopólio no manuseamento de carga geral no porto de Setúbal e abriu o caminho para que o mesmo suceda ao fornecimento de mão-de-obra pelas Empresas de Trabalho Portuário, que serão obrigadas a encerrar. De facto, nos três meses seguintes ao início da exploração das concessões, colocou menos 1311 postos de trabalho.
EVOLUÇÃO NOS 3 MESES DE CONCESSÃO, PERDA DE POSTOS DE TRABALHO, NA OPERESTIVA NO PERÍODO HÓMOLOGO ANTES DA MESMA
Pode assim dizer-se, de forma abrangente, que as concessões no porto de Setúbal, levadas a cabo pela APSS, em vez de melhorarem as condições de fornecimento e prestação de serviços, baixarem custos operacionais e aumentarem a produtividade, têm servido para piorar tudo isso e, ainda, contribuir para o encerramento de empresas, enviando para o desemprego dezenas de pessoas que, durante muitos anos, acumularam saber e experiência.
Não resta, pois, à ANESUL, outra alternativa que não seja o reconhecimento da deficiente gestão que a APSS tem feito nestes últimos anos, no porto de Setúbal, e aconselhar a que rapidamente seja realizada uma auditoria a todo o processo de concessões, visando a identificação das ilegalidades e arbitrariedades cometidas pela APSS em prejuízo do porto, da economia e do interesse nacional.
INVESTIMENTO PORTUÁRIO: UMA RECEITA ORIGINAL PARA A DELAPIDAÇÃO DOS DINHEIROS PÚBLICOS
Esclareça-se desde já que o investimento, enquanto objectivo gerador de mais-valias que aporte mais capacidade operacional e mais crescimento sustentado, é seguramente desejável e objecto de expectativas sempre crescentes. Dotar os portos de mais e melhores infra e super-estruturas será sempre uma ambição legítima de qualquer operador do sector, no pressuposto de que daí advirão meios que lhe permitirão racionalizar os seus processos de trabalho, em benefício da competitividade e consequentes ganhos de mercado.
Mas esta linearidade está longe de ser absoluta, já que o Investimento para ser efectivamente reprodutivo tem de gerar negócio, tem de ampliar a capacidade negocial dos agentes económicos, tem afinal de criar atractividade face à concorrência quer de outros portos alternativos, quer de outros modos de transporte.
1. Na década de 80, ainda com o anterior estatuto de Junta Autónoma, o investimento era praticamente de manutenção mínima, quedando-se o porto pelos 2,3 milhões de toneladas movimentadas (média anual).
2. Em 91 e 92, já como APSS (ao tempo, instituto público), injectam-se cerca de 33 milhões de euros em novas infra-estruturas, tendo-se então saltado para um patamar médio dos 4 milhões de toneladas de carga movimentada.
3. Entre 93 e 99, o tráfego de mercadorias cresceu cerca de 80%.
Um salto quantitativo desta natureza não acontece por acaso. Com efeiro, é imperativo enquadrar este facto com um factor estruturante absolutamente determinante, traduzido na reforma portuária de 1993, que alterou profundamente a organização laboral no porto de Setúbal, através de mecanismos de flexibilização, polivalência e mobilidade funcional absolutamente inovadores, negociados entre a ANESUL e todos os Sindicatos portuários, até hoje ainda únicos face aos restantes portos nacionais e da qual resultaram reduções médias de 40% na factura portuária, com óbvios benefícios nas empresas e nos consumidores.
Acresce referir-se que a APSS, por não ser parte interveniente no processo, foi mera espectadora passiva na articulação das negociações, não se lhe ficando a dever rigorosamente nada no sucesso alcançado.
4. Contudo, a partir de 1999 e 2000, a APSS (entretanto já transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos) aumenta drasticamente os seus tarifários, numa alegada filosofia de “modernidade e racionalização”, decorrente duma imtempestiva decisão (mais uma!) do então Conselho Marítimo Portuário e da qual resultam, na prática, aumentos médios globais sobre os navios e sobre as mercadorias, superiores a 40%.
Com esta medida, não só se anulam os ganhos de competitividade tão arduamente conquistados pelas empresas e pelos trabalhadores, como se criam mais anti-corpos na árdua prossecução daqueles objectivos.
Construir e cimentar factores de competitividade é difícil e requer perseverança, uma atitude realista e de total pragmatismo, para conquistar compromissos e parcerias na prossecução dos objectivos traçados. Essa é a postura de quem vive o negócio e dele faz o seu “leit-motiv”, em prol do desenvolvimento, da criação de riqueza e do consequente bem-estar social.
Ao invés, destruir ou cercear a iniciativa é uma tarefa bem mais fácil...
5. De 2000 até 2004, não obstante um forte acréscimo de investimento acumulado na ordem dos 133 milhões de euros, essencialmente referente às diversas obras de expansão do porto para montante, aumentando a oferta de mais frentes de cais acostáveis e generosas áreas de terraplenos, o volume de cargas movimentadas cristaliza-se à volta da fasquia anual dos 6,5 milhões de toneladas, com pequenas variações positivas ou negativas, mas tendencialmente incapazes de gerar saltos quantitativos de maior expressão.
Infelizmente, esta não é uma constatação só verificável no porto de Setúbal, porquanto os outros principais portos nacionais são igualmente afectados pelo mesmo mal – nos últimos vinte anos, não obstante todos os investimentos efectuados, o movimento global dos nossos cinco principais portos, não consegue ultrapassar os 56 Milhões de toneladas anuais. Só a título de comparação, refira-se que os portos espanhóis cresceram na década de 80 a um ritmo anual de 2,5 Milhões de toneladas, que era um valor muito idêntico ao nosso, só que, na década de 90, esse indicador saltou exponencialmente para a fasquia dos 9 milhões de toneladas, mercê de políticas portuárias efectivamente estruturantes e com estratégias bem sucedidas.
Teremos, pois, de concluir que estamos perante uma situação de clara incapacidade de reprodução dos investimentos efectuados em gerar mais carga e ampliar o mercado de influência do porto. Descartamos, desde logo, a ideia de que tal constatação conduziria à prescindibilidade daquele esforço financeiro, o que seria um total disparate. Ao invés, aplaude-se sem quaisquer reservas a criação de condições estruturantes que ampliem mais e melhor oferta, que induzam à sua modernização e à sua sistematização organizacional e que garantam a sustentabilidade dos seus factores de eficiência, de segurança e da preservação ambiental.
Mas, perante a análise dos factos, o que se verifica é que o porto efectivamente não cresce. Então o que é que está mal? O que é que, afinal, tanto nos separa dos nossos concorrentes mais próximos?
Ora, o que está mal, é definitivamente o modelo de gestão, é a lógica do serviço público que sempre privilegia a orçamentação da despesa à custa da receita necessária à cobertura daquela, sem cuidar minimamente da racionalização dos custos. E não se pense que a opção pela concessão das actividades portuárias terá sido a panaceia que inverteu aquele modelo. Não foi, nem será, enquanto se mantiver aquela mesma filosofia. Que importa entregar as operações aos privados, se entretanto a autoridade portuária, assumindo-se agora como entidade “landlord”, persiste na utópica intenção de continuar a resolver os seus défices crónicos à custa das draconianas rendas e taxas impostas aos concessionários, que por sua vez as vão repercutir no utilizador e cliente final?
Cargas tradicionais do porto de Setúbal, como por exemplo a pasta de papel, os produtos siderúrgicos, ou os veículos automóveis, são agravadas nos seus custos de movimentação portuária em valores que variam entre os 1.500% e os 40%...
Isto significa, simplesmente, a liquidação do porto.
E não se pense que é uma liquidação lenta e progressiva. Trata-se de uma liquidação por implosão, por esvaziamento do negócio, que, de resto, decorridos apenas três meses do início das concessões, já se constata no dia-a-dia do porto, com cais sem navios e com os terraplenos sem cargas.
Os armadores apressam-se a encontrar as alternativas que melhor contrariem tais “loucuras”, ou escolhendo outros portos, nacionais ou estrangeiros, ou então agravam proporcionalmente as suas taxas de frete, encarecendo os produtos transportados, que obviamente perdem competitividade. Só como exemplo paradigmático, há já hoje mercadorias importadas em contentores provenientes do Extremo Oriente com destino a Portugal e nomeadamente à zona de Setúbal, que são descarregadas em Roterdão e depois transportadas por camião até ao seu destino final. Ao invés, muitos milhares de toneladas de carga, hoje em dia, seguem por comboio desde Lisboa até Barcelona, para aí embarcarem em navios de longo curso, beneficiando de economias de escala totalmente impossíveis de se verificarem em qualquer porto português. Por seu lado, os donos das cargas reagem de igual modo, ou optando pelo transporte em camião ou ferrovia, ou simplesmente deslocalizando o negócio para outras paragens onde se não exponham a tais disparates. As exportações nacionais são fortemente penalizadas, a produção é literalmente impedida de crescer, como medida imprescindível à recuperação da nossa débil situação económica e as importações, através do seu normal ciclo multiplicador, acabam irremediavelmente no bolso do consumidor cada vez mais desesperado na fatalidade de ver o seu poder de compra gradualmente mais diminuído…
E perante esta lamentável realidade, como reage a APSS?
Pinta tudo de cor-de-rosa, espalha aos quatro ventos que o porto “ganha cargas”, que a competitividade aumentou em função das intervenções efectuadas e atreve-se mesmo a “piscar o olho” ao mercado espanhol, com alegadas vantagens competitivas face a outros portos daquele país situados a distância equivalente.
Porque estamos, infelizmente para todos nós, nas antípodas deste marketing absurdo e porque ingenuidade não será o que mais pode caracterizar esta administração portuária, resta-nos acreditar que, ou é ignorância, ou é desespero de quem já sente o chão a fugir-lhe debaixo dos pés…
Quando a APSS diz que o porto cresceu 7,1% em 2004, omite que o crescimento resultou de contratos firmados em 2003 entre os agentes económicos que detêm os negócios e as empresas prestadoras de serviços portuários, onde a APSS em nada interfere. Acresce que os preços e as condições de operacionalidade que sustentaram esses contratos nada tinham a ver com o figurino que veio a decorrer das famigeradas concessões e que só se irão sentir nos resultados de 2005. Assim mesmo, insistimos no facto já atrás sublinhado que, apesar daquele acréscimo aparentemente significativo, continuamos rigorosamente na intransponível fasquia das 6,5M tons/ano, com tendência evidente de redução já no ano em curso.
Quanto ao alegado aumento da competitividade, como é que se pode sustentar tamanha incongruência? As obras de dragagens nos acessos marítimos não aumentaram o calado disponível na barra de acesso ao porto, antes pelo contrário. Nas décadas de 70 e 80, o calado máximo permitido ia aos 10,5m ao ZH, sendo que a partir de meados da década de 90, esse mesmo valor de referência baixou para os 10m. Chega-se mesmo ao ponto de se apregoarem calados de 12m em determinados cais acostáveis, quando nenhum navio entra na barra com mais do que os aludidos 10m. Quanto às novas defensas e às alegadas melhorias das condições operacionais do terminal Ro-Ro, bem… também pudera! Ou não é o utilizador do porto que as paga integralmente através das altas taxas que lhe são cobradas? As tais taxas que em verdade comprometem a competitividade, em vez de a acrescentar.
Quanto ao resto que o marketing e a propaganda que a APSS vem acaloradamente propalando, são estudos, projectos e declarações de intenções, posto que quanto à obra feita, não são os louros desta administração. Mas o que ficará com certeza para a História como sendo da exclusiva responsabilidade desta Administração é o imbróglio e a barafunda com que conduziu o processo de atribuição das concessões nos terminais das chamadas Zona 1 e Zona 2 (Cais das Fontainhas). E, pelo andar da carruagem, o que aí virá com processos semelhantes, leia-se minados à partida, no que se refere às concessões para o terminal ro-ro e, em última análise, para o terminal graneleiro da Eurominas, onde ainda antes de definidas as regras do jogo, já o presumível “árbitro” decidiu favorecer uma das equipas com a atribuição por ajuste directo e portanto sem qualquer concurso público, de uma licença de utilização precária, onde se permite toda a série de atropelos às exigíveis normas de trabalho portuário, que não são legalmente permitidas em qualquer outro terminal.
A ANESUL tem um percurso de responsabilidade e seriedade institucional, que lhe advém de um profundo conhecimento da evolução do porto de Setúbal ao longo de mais de trinta anos, tendo sempre participado transversalmente com todos os Governos e com todas as administrações portuárias, na génese da sua evolução. O nosso único objectivo, enquanto associação profissional do sector, é tão só a defesa dos legítimos interesses do porto de Setúbal em primeira análise e, na sua decorrência, e das actividades económicas que lhe estão associadas e que são geradoras de riqueza e bem estar social. Nada nos move, pessoalmente, contra ninguém e muito menos contra pessoas com a urbanidade que decorre do exercício de qualquer cargo público em funções tão nobres como as de gestores portuários. Contudo, por uma questão de sã coerência institucional e mantendo-nos fiéis aos nossos objectivos, não podemos pactuar com acções gratuitas de mera propaganda, sabe-se lá com que ocultas intenções, onde se agitam as bandeiras do sucesso e do festim, quando afinal, toda a corte já ensaia as cerimónias fúnebres.
NOTA FINAL
É esta, pois, a realidade actual do porto de Setúbal. Uma realidade bem diferente daquela que a APSS, já a braços com as consequências negativas da política que delineou para as concessões no porto de Setúbal, pretende fazer passar para a opinião pública e para o governo, através da comunicação social.
Uma realidade que a ANESUL não pode deixar de denunciar sob pena de, a curto/médio prazo agravar irremediavelmente a situação do porto de Setúbal, com todas as consequências negativas daí decorrentes para a economia regional e nacional, para os clientes do porto e para todos quantos nele ou para ele trabalham.
Uma realidade que motivou já diversas queixas nos tribunais portugueses e nas instâncias comunitárias competentes, por parte de diversas entidades, nomeadamente a da Associação Europeia de Armadores.
Uma realidade que originou já a perda de diversas cargas e tráfegos (como, por exemplo, a linha West Africa, do importante armador Grimaldi e a perda, para o porto de Aveiro, de parte das exportações por via marítima da pasta de papel produzida na Portucel), como reacções de diversos carregadores de peso, como é o caso da Lusosider (produtos siderúrgicos) e da Chiquita Banana Company (fruta).
Daí que a ANESUL não possa deixar de concluir que, o porto de Setúbal necessita de uma mudança de rumo, a vários níveis. Mudança de mentalidades, mudança da estratégia de desenvolvimento, mudança na forma de gestão dum bem público fundamental para o país, colocando o porto ao serviço do interesse geral, ao serviço da economia nacional, dos exportadores, dos importadores e de quantos dele vivem."
Setúbal, Março de 2005
A Direcção
E, para tal, é necessário que recuemos a meados de 2001, altura em que foi lançado o “Concurso Público para a Concessão do Terminal Multiusos no Porto de Setúbal”, habitualmente conhecido como o “Cais das Fontainhas”, e mais especificamente a Novembro de 1997, altura em que a APSS apresentou à Comissão Europeia um pedido de financiamento para um projecto de construção a que chamou “Terminal Multiusos/Plataforma Multimodal”.
A GÉNESE DO CONCURSO PÚBLICO
Tal projecto visava, “a construção de um Terminal para a movimentação de carga Roll On-Rol Off” (cargas sobre rodados, veículos, máquinas, etc.) “e multiusos, sem prejuízo de uma utilização futura para a movimentação especializada de contentores.”
Enquanto tal pedido estava em apreciação em Bruxelas, o Eng. Consiglieri Pedroso, ao tempo Secretário de Estado Adjunto do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, chefiado pelo Ministro Eng. João Cravinho, proferiu em 22.06.99 um Despacho, dirigido à APSS, que visou aprofundar e definir com maior rigor o âmbito do projecto de investimentos e obras a realizar no porto de Setúbal com os fundos comunitários pedidos à Comissão Europeia.
Nesse Despacho, constatava-se a real necessidade de aumentar a capacidade do terminal Ro-Ro, de serviço público, exclusivamente dedicado à movimentação de viaturas completas; considerava-se que competia ao Governo, enquanto garante de uma política sectorial que integre dinâmicas de expansão e modernização do porto de Setúbal, por um lado, e de racional aplicação de fundos públicos, por outro; determinava-se que a APSS procedesse de imediato a um reajustamento do plano de ordenamento do porto de Setúbal, com base nos seguintes elementos programáticos:
Adjudicação, imediata, do concurso lançado sob a epígrafe “Terminal de Contentores/Plataforma Multimodal”, no entendimento de que a futura funcionalidade operacional deverá corresponder, rigorosamente, a dois terminais adjacentes, … ou seja, um Terminal Multiusos e um Terminal Ro-Ro, exclusivamente dedicado à movimentação de viaturas completas …
A verdade é que a APSS acabou por receber € 14.881.800 de fundos comunitários, tendo com o dinheiro feito coisa muito diferente da que foi definida no Despacho citado e da que se propôs fazer no respectivo pedido de financiamento.
O LANÇAMENTO DO CONCURSO PÚBLICO
Com efeito, o lay-out do concurso público lançado pela APSS em meados de 2001, não só não respeitou as determinações governamentalmente definidas, como não deu cumprimento àquilo com que a APSS se comprometeu aquando do pedido de financiamento, já que o Caderno de Encargos respectivo impôs aos concorrentes o que se pode apelidar de uma autêntica balbúrdia em termos de especialização de terminais, permitindo, por exemplo, a movimentação simultânea de granéis com viaturas automóveis novas, num mesmo terminal; impondo, na mesma zona, a movimentação de veículos pesados ao mesmo tempo que proibia a movimentação de veículos ligeiros (quando os navios transportam uns e outros conjuntamente).
A arquitectura do Caderno de Encargos do referido concurso, nos moldes em que foi delineada, traduz um completo desconhecimento dos mais elementares princípios subjacentes a qualquer concessão portuária, em matéria de organização e especialização dos terminais a concessionar, como, de resto, foi já reconhecido por especialistas estrangeiros consultados pela ANESUL.
BREVE HISTORIAL DO PROCESSO DE CONCURSO
Mas as ilegalidades não se ficaram por aqui, antes acompanharam todo o processo do concurso público.
Citem-se alguns exemplos.
Desde logo, verificaram-se ilegalidades no acto de admissão a concurso das propostas de um dos concorrentes, propostas essas que, de acordo com pareceres de reputados administrativistas (dos quais cabe destacar o Prof. Sérvulo Correia), deveriam ter sido liminarmente rejeitadas.
Além da utilização de critérios de avaliação não previstos, os próprios critérios utilizados pela APSS na avaliação das propostas, além de mal aplicados, não garantiram a necessária isenção e o primado do interesse público com a indispensável transparência que o processo exigia.
A APSS, totalmente contra o definido no Caderno de Encargos, alterou o objecto do concurso público, através da redução das áreas a concessionar, em momento posterior à entrega das propostas pelos concorrentes. Ou seja, alterou as regras do jogo depois deste começar …
A APSS manteve negociações por mais de dez meses com um dos concorrentes, enquanto que, com o outro deu unilateralmente por encerradas as negociações ao fim de sete meses, acabando por declarar a sua exclusão definitiva do concurso, alegando injustificada insuficiência de condições processuais para prosseguir.
Foi justamente neste contexto que a APSS acabou por ilegalmente afastar do concurso um dos concorrentes, para ficar a negociar apenas com o outro, ao qual acabou por atribuir, em regime de monopólio, a totalidade das áreas em concurso.
Na verdade, a APSS acabou por assinar os Contratos de Concessão em 16 de Julho de 2004, sexta-feira à noite, num momento de efectivo vazio político, precisamente na véspera da tomada de posse do Governo presidido por Santana Lopes, tendo obtido, apenas na véspera da assinatura, no último momento, a conveniente cobertura política, durante largos meses recusada, do então Ministro do anterior governo, Carmona Rodrigues, ao tempo confinado a funções de mera gestão.
A ILEGALIDADE DAS ALTERAÇÔES DO CADERNO DE ENCARGOS OPERADAS PELA APSS NOS CONTRATOS DE CONCESSÃO
Um dos princípios basilares subjacentes a qualquer concurso público é o da inalterabilidade do Caderno de Encargos, elemento fundamental definidor do objecto e dos termos da concessão. A violação de tal princípio implica, assim, a ilegalidade dos Contratos de Concessão onde tal violação vem consumada.
Nos Contratos de Concessão assinados entre a APSS e o concorrente a quem foram atribuídas as concessões, foram ilegalmente acordadas diversas alterações ao Caderno de Encargos que, de uma forma geral, se traduzem num acréscimo de benefícios para as concessionárias, em prejuízo do próprio Estado e que, de acordo com parecer jurídico elaborado pelo Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, implicam a anulação do concurso. Enumerem-se alguns, a título de exemplo:
Nos termos do Caderno de Encargos, a responsabilidade pelas dragagens do porto de Setúbal, eram da responsabilidade conjunta da APSS e das concessionárias; os Contratos de Concessão prevêem que essa responsabilidade seja exclusivamente da APSS.
Quanto à alteração das condições das concessões, o Caderno de Encargos nada dispunha, ao passo que os Contratos prevêem que as concessionárias possam pedir a revisão das condições das concessões, tendo em vista o respectivo equilíbrio financeiro.
O Caderno de Encargos estipulava que a actualização de rendas dominiais deveria operar-se de acordo com o coeficiente de actualização das rendas nos contratos de arrendamento não habitacionais e os Contratos de Concessão impõem que essa actualização seja feita de acordo com o índice de preços no consumidor – IPC – sem habitação, donde resulta um prejuízo para a APSS (para o Estado) de cerca de € 550.000 durante os vinte anos das concessões.
O Caderno de Encargos proibia a transferência da exploração do serviço público concessionado; os Contratos permitem-na com o prévio consentimento da APSS.
Os documentos assinados pela APSS e pelas concessionárias determinam uma redução das áreas concessionadas relativamente ao definido no Caderno de Encargos, o que só por si implica – com prejuízo para o Estado – uma enorme redução das rendas dominiais que, de acordo com o Caderno de Encargos, as concessionárias estavam obrigadas a pagar.
O ACORDO DIRECTO CELEBRADO ENTRE A APSS E OS BANCOS FINANCIADORES DAS CONCESSIONÁRIAS
Ainda no âmbito dos Contratos de Concessão, foram assinados entre a APSS, as concessionárias e o sindicato bancário que as financiou, aquilo a que chamaram um Acordo Directo, altamente comprometedor para o interesse público e sem paralelo na história das concessões portuárias em Portugal.
Na verdade, de acordo com reputados juristas consultados pela Anesul, a estrutura financeira das propostas do Concorrente preferido pela APSS teve por base um modelo de financiamento em project finance (inexistente noutras concessões portuárias), que pressupõe uma intervenção decisiva da concedente (APSS) ao nível da prestação de garantias aos bancos financiadores das concessionárias.
Desde logo, a APSS aceitou implicitamente aquele modelo que, usualmente, apenas é utilizado em concessões que impliquem não apenas a exploração dum serviço público mas também uma obra de construção.
De forma a viabilizar o recurso ao project finance segundo o modelo da proposta em negociação, a APSS, as concessionárias e os bancos financiadores tiveram que discutir, a três, a criação e definição de determinadas regras e vínculos jurídicos não previstos nas regras do concurso, consagradas no dito Acordo Directo e nos Contratos de Concessão, das quais se destacam:
- A APSS, na qualidade de concedente, obrigou-se perante os bancos a assumir o Serviço da Dívida (soma dos encargos devidos em cada momento pelas concessionárias aos seus bancos financiadores), nos casos de resgate da concessão, extinção do serviço por interesse público, suspensão da concessão (caso em que a APSS assume também os custos dos estivadores) e rescisão da concessão decretada por Tribunal Arbitral.
- A APSS autorizou a constituição de diversas garantias (hipotecas, constituição de penhores, cessões de créditos e opções de compra de acções) a favor dos bancos financiadores das concessionárias, traduzidas quer na oneração de bens (públicos) da concessão, quer relativas às acções representativas do capital social das concessionárias.
O recurso ao project finance em sede de concessões pressupõe, por princípio, que as regras do concurso prevejam desde logo essa opção.Com efeito, tratando-se de uma modalidade específica de financiamento, cuja viabilidade dependeria sempre da colaboração activa da APSS no esquema delineado, a possibilidade do recurso à mesma deve encontrar-se previamente prevista, em obediência aos princípios da contratação pública (transparência, publicidade e concorrência).
Ora, no que se refere ao caso de Setúbal, nem na Lei de Bases das Concessões, nem no Programa do Concurso, nem no Caderno de Encargos, se previa que o modelo de financiamento dos concorrentes pudesse assentar no project finance. Daqui resulta que os concorrentes sabiam que os pressupostos financeiros da sua proposta não podiam ficar na dependência de uma qualquer articulação com a APSS, dado esta não se encontrar prevista. Se assim não fosse, outros potenciais concorrentes poderiam eventualmente ter apresentado uma proposta mais vantajosa para a APSS, caso soubessem que essa mesma proposta poderia assentar num modelo de project finance.
Daí que legitimamente se conclua que a APSS, ao contrário do que fez, não poderia ter aceite negociar uma proposta assente num modelo de project finance, porquanto isso pressupunha uma intervenção activa na viabilidade desse modelo, em termos que não estavam previstos nem regulados nas regras do concurso.
De facto, a colaboração activa da APSS teve o seu expoente máximo na discussão e elaboração do Acordo Directo com os bancos financiadores das concessionárias, acordo esse que era a peça chave para a viabilidade financeira da proposta do concorrente preferido pela APSS. Donde resulta que a intervenção da APSS, à margem das regras do concurso, foi decisiva – qual mão protectora – para que, no final, as concessões viessem a ser adjudicadas àquele concorrente, pela própria APSS.
Daí que o Acordo Directo, na medida em que traduz uma actuação ilegal da APSS em favor da viabilidade da proposta que veio, a final, a ser aceite, constitui só por si, de acordo com os juristas consultados pela ANESL, fundamento autónomo da ilegalidade do acto de adjudicação, sendo que essa ilegalidade necessariamente projecta os seus efeitos na invalidade dos Contratos de Concessão.
BENEFÍCIOS FINANCEIROS ILEGÍTIMOS CONCEDIDOS PELA APSS ÀS CONCESSIONÁRIAS SÃO SUSCEPTÍVEIS DE ATINGIR, DURANTE O PRAZO DAS CONCESSÕES, VALORES DA ORDEM DOS VINTE MILHÕES DE EUROS
No quadro definido para as duas concessões do Terminal Multiusos do porto de Setúbal, a APSS – sob a égide do Conselho de Administração – concedeu, em desespero de causa, uma série de benefícios ilegais (alguns já referidos, como é o caso da alteração dos coeficientes de actualização das rendas) de natureza financeira, por não previstos no Caderno de Encargos do concurso, que visam a viabilização das concessões, dessa forma mitigando as responsabilidades que a APSS assumiu perante os bancos financiadores das concessionárias.
No que se refere, por exemplo, à chamada Zona 1, foi concessionada uma área inferior, em 4.180 m2, à prevista no Caderno de Encargos, o que só por si representa uma redução mensal da renda em cerca de €. 2.700,00, ou seja, cerca de € 652.000,00 durante os vinte anos da concessão.
Também na Zona 1 a APSS congeminou com a concessionária respectiva outro desconto (Anexo XIII ao contrato de concessão), falaciosamente apelidado de “Medida de reequilíbrio da concorrência” entre a Zona 1 e o Terminal Público Roll-On/Roll Off, nos termos do qual se pratica um desconto nas rendas da ordem dos € 14.000,00 mensais, ou seja, cerca de € 3.400.000,00 no período da concessão. Fundamenta a APSS este desconto no facto de as empresas que trabalham no Terminal Público não pagarem rendas, esquecendo-se, todavia, de que sempre assim foi e essa situação era sobejamente conhecida dos concorrentes à data do lançamento do concurso, não constituindo um dado novo, desconhecido à partida.
Quanto à Zona 2 da concessão, foi concessionada uma área inferior, em 16.174 m2, à prevista no Caderno de Encargos, representando essa redução um desconto nas rendas da ordem dos € 12.600,00, mensais, que a vinte anos, se cifra em mais de € 3.000.000,00.
Além disso, foi ainda operada outra redução da área concessionada (Anexo XIII ao contrato respectivo) em cerca de 41.000 m2, que representam um desconto mensal de cerca de € 32.000,00, nas rendas a pagar pela concessionária, ou seja, aproximadamente € 7.680.000,00 nos vinte anos da concessão.
A APSS concedeu, também, à concessionária da Zona 2 uma isenção do pagamento da taxa devida por movimentação de máquinas (€ 2,34/máquina), que igualmente significa alguns milhares de euros anuais.
A APSS autorizou as concessionárias a cobrar a chamada taxa de utilização de defensas (protecções entre os navios e o muro cais), que ela própria já cobra por estar incluída na chamada “Taxa de Uso do Porto”, paga pelos navios (que assim pagam duas vezes o mesmo serviço). Este benefício ilegítimo representa, de acordo com projecções efectuadas pela ANESUL, uma receita de cerca de € 800.000,00 nos vinte anos das concessões.
A “reboque” da concessão, em regime de serviço público, da actividade de movimentação de cargas na zona portuárias, a APSS “entregou” às concessionárias o exclusivo da actividade de amarração de navios nas áreas concessionadas, sem que tal estivesse previsto no Caderno de Encargos do Concurso. Este ajuste directo ilegal, além de colocar em perigo a subsistência das várias empresas de amarrações do porto de Setúbal que, de resto, estão elas próprias a licenciamento para o exercício da actividade pela APSS, traduz-se num benefício económico ilegítimo concedido às concessionárias que, de acordo com estimativas da ANESL, apontam para cerca de € 2.500.000,00 no prazo das concessões.
A APSS, mediante a publicação de uma Ordem de Serviço em Novembro último, e para coagir os armadores a levarem os navios a descarregar máquinas e outros veículos pesados nas áreas concessionados, obriga-os a pagar uma taxa (que não é mais do que um verdadeiro imposto confiscatório) de € 75,00 por unidade descarregada até quatro e € 180,00 a partir da quinta, se quiserem descarregar no Terminal Público (não concessionado e com custos de operação mais atraentes para os armadores), entregando, depois, o produto do confisco às concessionárias. Este imposto, representa a outorga de mais um benefício ilegal às concessionárias, arquitectado pela APSS, em prejuízo dos armadores e do interesse público-portuário, traduzido anualmente em largas dezenas de milhares de euros.
Realce-se, de novo, que as concessionárias foram “dispensadas” da obrigação de comparticiparem nos custos das dragagens, conforme estava previsto no Caderno de Encargos do concurso.
Ora, tudo somado, facilmente se concluirá que os benefícios acumulados acima referidos se aproximam dos vinte milhões de euros, mesmo não tendo em conta a natural actualização dos preços no período das concessões, caso em que ultrapassarão largamente aquele valor.
Por último, soube a ANESUL que as concessionárias se preparam para pedir à APSS uma indemnização da ordem dos € 2.500,000,00, fundamentando tal pretensão no mau estado das gruas e pórtico que, por preços especulativos (cerca de € 9.000.000,00) foram obrigadas a adquirir à APSS. Como se aquele equipamento não tivesse sido objecto de vistorias prévias e de autos de recepção e como se o seu estado não fosse prévia e sobejamente conhecido. Segundo a ANESUL sabe, esta pretensão das concessionárias terá obtido acolhimento por parte de alguns sectores dentro da APSS, o que, a confirmar-se, redunda na concessão de mais um benefício económico ilegal, com manifesto prejuízo para o Estado e para o interesse público.
CONCESSÕES DE SETÚBAL : UM MONOPÓLIO INSTALADO
Ao entregar as duas áreas em concurso a um único concorrente, a APSS – contra a lei nacional e comunitária – optou claramente pela via da transformação de um mercado concorrencial num monopólio, no que se refere à operação portuária em Setúbal. Com a agravante de as duas sociedades concessionárias (com igual composição societária) constituídas por aquele concorrente pertencerem a um grupo de empresas que já detém posições largamente dominantes nos principais portos portugueses.
A concessão, por vinte anos, da totalidade das áreas concessionadas a um único concorrente originou já o encerramento de uma das quatro empresas de estiva que existiam no porto de Setúbal, e colocou numa situação deveras preocupante as restantes duas empresas (uma delas com quotas de mercado superiores a 62 % na carga geral e a 96 % na carga Roll-On Roll-Off, em 2003) que se viram impedidas de continuar a operar nas áreas ilegal e arbitrariamente concessionadas pela APSS.
A concessão do Terminal Multiusos do porto de Setúbal a um único concorrente originou uma situação de domínio avassalador por parte desse concorrente sobre infra-estruturas marítimas fundamentais para o abastecimento do país, além de prejudicar objectivamente a competitividade do porto.
Por outro lado, a concessão, nos moldes em que foi levada a cabo pela APSS, tem vindo a determinar a ocorrência de práticas abusivas inevitáveis por parte das concessionárias, em claro detrimento das restantes agências e operadores que actuam no porto de Setúbal e dos seus clientes, porquanto aquele modelo de concessão (concedida em regime de monopólio) induz as concessionárias (ambas pertencentes aos mesmos accionistas) a abusar do seu poder no mercado, através da cobrança de tarifas excessivas e não equitativas aos utilizadores do porto de Setúbal.
CONSEQUÊNCIAS DAS CONCESSÕES A NÍVEL ECONÓMICO-SOCIAL: ENCERRAMENTO DE EMPRESAS E DESEMPREGO
Como desde há muito se adivinhava, o início da exploração das concessões acabou por lançar no desemprego dezenas de trabalhadores que laboravam nas, ou para as, empresas que, de um momento para o outro, se viram impedidas de continuar a exercer a sua actividade nas áreas concessionadas.
O fenómeno do desemprego afectou igualmente trabalhadores de diversas empresas que, a montante e a jusante, prestavam serviços às empresas directamente afectadas.
O arranque das concessões, em Novembro do ano passado, induziu igualmente a criação, pelas concessionárias e pela agência de navegação que com elas está em relação de grupo, duma terceira empresa de trabalho portuário (ETP) no porto de Setúbal, com a finalidade de, também no subsector da cedência de mão-de-obra portuária, conseguir obter o monopólio desta actividade.
Esta situação sem paralelo nos portos nacionais – que apenas foi possível com a “bênção” do Conselho de Administração do Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM) – encerra o mais completo absurdo porquanto o panorama actual e a história do sector portuário português evidenciam claramente que, em cada porto, só deve existir uma ETP.
Na verdade, a actividade de cedência de mão-de-obra portuária é uma actividade de interesse público, sujeita a licenciamento e submetida a uma regulamentação apertada, na qual o IPTM define tarifas, regras de colocação de pessoal portuário e de funcionamento das empresas que, em cada porto, cedem trabalhadores para as operações portuárias.
A verdade é que, mesmo alertado pela ANESUL para a circunstância de que o licenciamento de uma terceira ETP em Setúbal nada acrescentaria em matéria da racionalização da gestão da mão-de-obra, nem contribuiria para o abaixamento da factura portuária, nem para a pacificação da relação inter-empresas no porto de Setúbal, o IPTM deliberou licenciar uma terceira ETP em Setúbal (quando, no espírito da lei vigente, existe uma por porto), aprovando-lhe um Regulamento Interno que contraria as regras de colocação de trabalhadores praticadas pelas outras duas ETP’s e que são as definidas pelo próprio IPTM desde 2001.
O IPTM foi, em devido tempo, igualmente alertado pela ANESUL para a consequência óbvia de que o licenciamento de mais uma ETP, a terceira, atento o exíguo contingente de trabalhadores portuários do porto de Setúbal com vínculo às duas ETP’s existentes (17), iria implicar – como já implicou – um aliciamento dos trabalhadores por parte da nova ETP, que sem mão-de-obra para fornecer às empresas de estiva, se veriam impossibilitadas de continuar a funcionar, remetendo-as para uma situação de falência, que a breve prazo ocorrerá com, pelo menos, uma delas. Também a isto o Conselho de Administração do IPTM foi insensível, acabando por licenciar a terceira ETP do porto de Setúbal sem se importar minimamente com as consequências económico-sociais de tal licenciamento.
AS CONCESSÕES EM SETÚBAL E OS SEUS EFEITOS PRÁTICOS
O Conselho de Administração da APSS tem apresentado persistentemente a sua gestão como de grande relevância na recuperação do passivo e no desenvolvimento do porto de Setúbal.
Nos anos anteriores não deu conta a ANESUL das acções positivas agora propaladas pela APSS. Em 2004, digno de registo, apenas foi feita a assinatura dos contratos de concessão, cujo início de exploração ocorreu em 22 de Novembro de 2004, com resultados extremamente negativos, na perspectiva da ANESUL. Até àquela data, toda a actividade do porto decorreu normalmente, sem intervenção digna de realce, por parte da APSS, no sentido de alterar o que quer que fosse no normal relacionamento comercial com os clientes, o qual é mantido pelos agentes económicos sem que a Administração aí meta prego ou estopa, como é reconhecido por toda a comunidade portuária.
O acto de atribuição das concessões foi dos poucos, se não o único, que teve impacto nas condições de normal funcionamento do porto e, como tal, é sobre o efeito das concessões que deve ser avaliada os actos de gestão da APSS.
Na verdade, da atribuição das concessões e do modo como a APSS geriu este dossier resultou:
* Aumento generalizado dos custos de utilização do porto de Setúbal;
* Perda acentuada de produtividade nas operações portuárias;
* Redução da actividade portuária nas zonas concessionadas;
* O abandono do porto, por parte de armadores importantes;
* Eventual fuga de projectos para os quais o porto de Setúbal constituía um dos atractivos (caso da Lusosider).
O aumento generalizado dos custos operacionais, do qual algumas das empresas do distrito fizeram eco nos meios de comunicação social, tem forçado o abandono progressivo do porto pelos armadores e/ou a mudança do meio de transporte para as vias rodo e ferroviária. Isto é: andamos ao contrário daquilo que é normal, aconselhado e necessário; passamos da via marítima para a via rodoviária colocando nas estradas mais camiões em vez de os retirar.
Não é, certamente, este o panorama de vitória e de grande sucesso apregoado pela APSS, que, num acto de propaganda quase gratuita, insiste em apresentar, para impressionar a opinião pública e certamente o poder político resultante do último acto eleitoral. De facto, é convicção da ANESUL que o desastre está à vista, restando ver até quando poderá ele ser ocultado mediante as ilegalidades que vão sendo praticadas para esconder o descalabro resultante do modo como foi arquitectada a atribuição das concessões no porto de Setúbal, cujo único benefício imediato se traduziu na engenhosa e aparente redução do passivo da APSS.
Com a atribuição das concessões, foram beneficiados:
* A APSS, que vendeu todo o “ferro velho” (gruas e pórtico) que tinha, a preços de máquinas novas;
* A APSS, que assim diminuiu a sua dívida aos bancos, contraída devido à prática de actos de gestão de duvidosa necessidade. Pelas contas da ANESUL, o passivo da APSS terá passado de 14,5 milhões de euros para cerca de 5 milhões, caso todo o dinheiro recebido do “ferro velho” tenha serviu para amortizar passivo.
Tendo sido prejudicados:
* Os operadores portuários, que se viram impossibilitados de continuarem a trabalhar;
* Os concessionários, que aceitaram pagar exageradamente para trabalharem e conseguirem assim uma situação de monopólio, tentando assim conseguir no futuro impor preços especulativos aos clientes;
* Os clientes do porto, que viram de um dia para o outro os seus custos duplicarem;
* O consumidor final, que vai pagar as consequências de todos os erros cometidos;
* Os armadores que viram os seus custos aumentarem por imposição dos tarifários e das regras de natureza operacional da concessão.
Os cais concessionados começaram a trabalhar nesta modalidade em finais de Novembro de 2004, pelo que se impõe a comparação dos três meses de actividade das concessionárias com o período homólogo do ano passado, de modo a demonstrar-se o que resultou, para já, do modo como foram levadas a efeito as concessões. Esta é a comparação a que, no entender da ANESUL deverá proceder-se, isto é, utilizando para o efeito apenas os cais concessionados das Fontaínhas, e não a totalidade dos cais do porto de Setúbal, como convenientemente a APSS pretende.
COMPARAÇÃO DE TONELAGEM E NÚMERO DE NAVIOS OPERADOS
A comparação nos moldes acima referidos, demonstra que, no período considerado (Nov. e Dez./04 e Jan./05) e nos cais concessionados, o porto perdeu 6,2% em tonelagem de carga movimentada e 18,3 % no número de navios operados. O gráfico seguinte mostra como ocorreu a distribuição mensal.
COMPARAÇÃO TONELAGEM E Nº DE NAVIOS, EM % NO TRIMESTRE HOMOLOGO ANTES E DEPOIS DAS CONCESSÕES - CAIS FONTAÍNHAS
Verifica-se, assim, que a tonelagem subiu em Dez 2004, descendo em Janeiro e Fevereiro de 2005 e que, quanto ao número de navios, o decréscimo tem sido acentuado, como qualquer observador do que se passa no porto facilmente se terá apercebido.
Este decréscimo de actividade seria ainda maior se a APSS não obrigasse, mediante uma Ordem de Serviço ilegal, os navios Roll-On Roll Off a operarem nas áreas concessionadas, em detrimento do Terminal Público, no qual, até ao início da exploração das concessões, tais operações sempre se têm realizado.
CARGAS MOVIMENTADAS NO 1.º TRIMESTRE DE ACTIVIDADE DAS CONCESSIONÁRIAS
O número de contentores aumentou, por razões que não se prendem com a vinda de qualquer armador que tenha iniciado escalas no porto de Setúbal, mas sim pelo facto de a carga que anteriormente era transportada em paletes, ter passado a ser transportada em contentores.
Por outro lado, os granéis secos aumentaram ligeiramente, assim como os produtos siderúrgicos, neste último caso devido à importação em navios de grande porte, de chapas de aço para a Lusosider.
Na movimentação dos restantes tipos de carga verificou-se uma redução acentuada – tendo em consideração o curto período de referência – apontando para um valor médio negativo da ordem dos 6,2% da tonelagem.
PERDA DE PRODUTIVIDADE INDUZIDA PELA CONCESSÃO NO PORTO
EVOLUÇÃO NOS 3 MESES DE CONCESSÃO DAS CARGAS COMPARADAS COM PERÍODO HOMÓLOGO ANTES DA MESMA, % NA BASE DA TONELAGEM
A APSS, ao não ter em linha de conta a experiência e as quotas de mercado em Setúbal, para atribuição das concessões, tem contribuído de uma forma negativa para que o porto se torne cada vez menos competitivo. De facto, a juntar à perda de competitividade do porto, em resultado do aumento dos preços, há a acrescentar a redução acentuada de produtividade nas operações portuárias, expressa em toneladas por homem de carga movimentada. Esta situação releva-se de grande gravidade, porquanto significa que o porto de Setúbal caminha em sentido contrário ao desejável. As perdas de 20% na produtividade tem uma expressão nos custos das operações demasiado elevada, obrigando os armadores a escolher alternativas ao porto de Setúbal.
PERDA DE PRODUTIVIDADE INDUZIDA PELA CONCESSÃO, TON./HOMEM, EXPRESSA EM % NO PERÍODO HOMÓLOGO
A CONCESSÃO COMO MEIO PARA ACABAR COM A CONCORRÊNCIA
Com a atribuição das concessões a um único grupo a APSS contribuiu para a criação do monopólio no manuseamento de carga geral no porto de Setúbal e abriu o caminho para que o mesmo suceda ao fornecimento de mão-de-obra pelas Empresas de Trabalho Portuário, que serão obrigadas a encerrar. De facto, nos três meses seguintes ao início da exploração das concessões, colocou menos 1311 postos de trabalho.
EVOLUÇÃO NOS 3 MESES DE CONCESSÃO, PERDA DE POSTOS DE TRABALHO, NA OPERESTIVA NO PERÍODO HÓMOLOGO ANTES DA MESMA
Pode assim dizer-se, de forma abrangente, que as concessões no porto de Setúbal, levadas a cabo pela APSS, em vez de melhorarem as condições de fornecimento e prestação de serviços, baixarem custos operacionais e aumentarem a produtividade, têm servido para piorar tudo isso e, ainda, contribuir para o encerramento de empresas, enviando para o desemprego dezenas de pessoas que, durante muitos anos, acumularam saber e experiência.
Não resta, pois, à ANESUL, outra alternativa que não seja o reconhecimento da deficiente gestão que a APSS tem feito nestes últimos anos, no porto de Setúbal, e aconselhar a que rapidamente seja realizada uma auditoria a todo o processo de concessões, visando a identificação das ilegalidades e arbitrariedades cometidas pela APSS em prejuízo do porto, da economia e do interesse nacional.
INVESTIMENTO PORTUÁRIO: UMA RECEITA ORIGINAL PARA A DELAPIDAÇÃO DOS DINHEIROS PÚBLICOS
Esclareça-se desde já que o investimento, enquanto objectivo gerador de mais-valias que aporte mais capacidade operacional e mais crescimento sustentado, é seguramente desejável e objecto de expectativas sempre crescentes. Dotar os portos de mais e melhores infra e super-estruturas será sempre uma ambição legítima de qualquer operador do sector, no pressuposto de que daí advirão meios que lhe permitirão racionalizar os seus processos de trabalho, em benefício da competitividade e consequentes ganhos de mercado.
Mas esta linearidade está longe de ser absoluta, já que o Investimento para ser efectivamente reprodutivo tem de gerar negócio, tem de ampliar a capacidade negocial dos agentes económicos, tem afinal de criar atractividade face à concorrência quer de outros portos alternativos, quer de outros modos de transporte.
1. Na década de 80, ainda com o anterior estatuto de Junta Autónoma, o investimento era praticamente de manutenção mínima, quedando-se o porto pelos 2,3 milhões de toneladas movimentadas (média anual).
2. Em 91 e 92, já como APSS (ao tempo, instituto público), injectam-se cerca de 33 milhões de euros em novas infra-estruturas, tendo-se então saltado para um patamar médio dos 4 milhões de toneladas de carga movimentada.
3. Entre 93 e 99, o tráfego de mercadorias cresceu cerca de 80%.
Um salto quantitativo desta natureza não acontece por acaso. Com efeiro, é imperativo enquadrar este facto com um factor estruturante absolutamente determinante, traduzido na reforma portuária de 1993, que alterou profundamente a organização laboral no porto de Setúbal, através de mecanismos de flexibilização, polivalência e mobilidade funcional absolutamente inovadores, negociados entre a ANESUL e todos os Sindicatos portuários, até hoje ainda únicos face aos restantes portos nacionais e da qual resultaram reduções médias de 40% na factura portuária, com óbvios benefícios nas empresas e nos consumidores.
Acresce referir-se que a APSS, por não ser parte interveniente no processo, foi mera espectadora passiva na articulação das negociações, não se lhe ficando a dever rigorosamente nada no sucesso alcançado.
4. Contudo, a partir de 1999 e 2000, a APSS (entretanto já transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos) aumenta drasticamente os seus tarifários, numa alegada filosofia de “modernidade e racionalização”, decorrente duma imtempestiva decisão (mais uma!) do então Conselho Marítimo Portuário e da qual resultam, na prática, aumentos médios globais sobre os navios e sobre as mercadorias, superiores a 40%.
Com esta medida, não só se anulam os ganhos de competitividade tão arduamente conquistados pelas empresas e pelos trabalhadores, como se criam mais anti-corpos na árdua prossecução daqueles objectivos.
Construir e cimentar factores de competitividade é difícil e requer perseverança, uma atitude realista e de total pragmatismo, para conquistar compromissos e parcerias na prossecução dos objectivos traçados. Essa é a postura de quem vive o negócio e dele faz o seu “leit-motiv”, em prol do desenvolvimento, da criação de riqueza e do consequente bem-estar social.
Ao invés, destruir ou cercear a iniciativa é uma tarefa bem mais fácil...
5. De 2000 até 2004, não obstante um forte acréscimo de investimento acumulado na ordem dos 133 milhões de euros, essencialmente referente às diversas obras de expansão do porto para montante, aumentando a oferta de mais frentes de cais acostáveis e generosas áreas de terraplenos, o volume de cargas movimentadas cristaliza-se à volta da fasquia anual dos 6,5 milhões de toneladas, com pequenas variações positivas ou negativas, mas tendencialmente incapazes de gerar saltos quantitativos de maior expressão.
Infelizmente, esta não é uma constatação só verificável no porto de Setúbal, porquanto os outros principais portos nacionais são igualmente afectados pelo mesmo mal – nos últimos vinte anos, não obstante todos os investimentos efectuados, o movimento global dos nossos cinco principais portos, não consegue ultrapassar os 56 Milhões de toneladas anuais. Só a título de comparação, refira-se que os portos espanhóis cresceram na década de 80 a um ritmo anual de 2,5 Milhões de toneladas, que era um valor muito idêntico ao nosso, só que, na década de 90, esse indicador saltou exponencialmente para a fasquia dos 9 milhões de toneladas, mercê de políticas portuárias efectivamente estruturantes e com estratégias bem sucedidas.
Teremos, pois, de concluir que estamos perante uma situação de clara incapacidade de reprodução dos investimentos efectuados em gerar mais carga e ampliar o mercado de influência do porto. Descartamos, desde logo, a ideia de que tal constatação conduziria à prescindibilidade daquele esforço financeiro, o que seria um total disparate. Ao invés, aplaude-se sem quaisquer reservas a criação de condições estruturantes que ampliem mais e melhor oferta, que induzam à sua modernização e à sua sistematização organizacional e que garantam a sustentabilidade dos seus factores de eficiência, de segurança e da preservação ambiental.
Mas, perante a análise dos factos, o que se verifica é que o porto efectivamente não cresce. Então o que é que está mal? O que é que, afinal, tanto nos separa dos nossos concorrentes mais próximos?
Ora, o que está mal, é definitivamente o modelo de gestão, é a lógica do serviço público que sempre privilegia a orçamentação da despesa à custa da receita necessária à cobertura daquela, sem cuidar minimamente da racionalização dos custos. E não se pense que a opção pela concessão das actividades portuárias terá sido a panaceia que inverteu aquele modelo. Não foi, nem será, enquanto se mantiver aquela mesma filosofia. Que importa entregar as operações aos privados, se entretanto a autoridade portuária, assumindo-se agora como entidade “landlord”, persiste na utópica intenção de continuar a resolver os seus défices crónicos à custa das draconianas rendas e taxas impostas aos concessionários, que por sua vez as vão repercutir no utilizador e cliente final?
Cargas tradicionais do porto de Setúbal, como por exemplo a pasta de papel, os produtos siderúrgicos, ou os veículos automóveis, são agravadas nos seus custos de movimentação portuária em valores que variam entre os 1.500% e os 40%...
Isto significa, simplesmente, a liquidação do porto.
E não se pense que é uma liquidação lenta e progressiva. Trata-se de uma liquidação por implosão, por esvaziamento do negócio, que, de resto, decorridos apenas três meses do início das concessões, já se constata no dia-a-dia do porto, com cais sem navios e com os terraplenos sem cargas.
Os armadores apressam-se a encontrar as alternativas que melhor contrariem tais “loucuras”, ou escolhendo outros portos, nacionais ou estrangeiros, ou então agravam proporcionalmente as suas taxas de frete, encarecendo os produtos transportados, que obviamente perdem competitividade. Só como exemplo paradigmático, há já hoje mercadorias importadas em contentores provenientes do Extremo Oriente com destino a Portugal e nomeadamente à zona de Setúbal, que são descarregadas em Roterdão e depois transportadas por camião até ao seu destino final. Ao invés, muitos milhares de toneladas de carga, hoje em dia, seguem por comboio desde Lisboa até Barcelona, para aí embarcarem em navios de longo curso, beneficiando de economias de escala totalmente impossíveis de se verificarem em qualquer porto português. Por seu lado, os donos das cargas reagem de igual modo, ou optando pelo transporte em camião ou ferrovia, ou simplesmente deslocalizando o negócio para outras paragens onde se não exponham a tais disparates. As exportações nacionais são fortemente penalizadas, a produção é literalmente impedida de crescer, como medida imprescindível à recuperação da nossa débil situação económica e as importações, através do seu normal ciclo multiplicador, acabam irremediavelmente no bolso do consumidor cada vez mais desesperado na fatalidade de ver o seu poder de compra gradualmente mais diminuído…
E perante esta lamentável realidade, como reage a APSS?
Pinta tudo de cor-de-rosa, espalha aos quatro ventos que o porto “ganha cargas”, que a competitividade aumentou em função das intervenções efectuadas e atreve-se mesmo a “piscar o olho” ao mercado espanhol, com alegadas vantagens competitivas face a outros portos daquele país situados a distância equivalente.
Porque estamos, infelizmente para todos nós, nas antípodas deste marketing absurdo e porque ingenuidade não será o que mais pode caracterizar esta administração portuária, resta-nos acreditar que, ou é ignorância, ou é desespero de quem já sente o chão a fugir-lhe debaixo dos pés…
Quando a APSS diz que o porto cresceu 7,1% em 2004, omite que o crescimento resultou de contratos firmados em 2003 entre os agentes económicos que detêm os negócios e as empresas prestadoras de serviços portuários, onde a APSS em nada interfere. Acresce que os preços e as condições de operacionalidade que sustentaram esses contratos nada tinham a ver com o figurino que veio a decorrer das famigeradas concessões e que só se irão sentir nos resultados de 2005. Assim mesmo, insistimos no facto já atrás sublinhado que, apesar daquele acréscimo aparentemente significativo, continuamos rigorosamente na intransponível fasquia das 6,5M tons/ano, com tendência evidente de redução já no ano em curso.
Quanto ao alegado aumento da competitividade, como é que se pode sustentar tamanha incongruência? As obras de dragagens nos acessos marítimos não aumentaram o calado disponível na barra de acesso ao porto, antes pelo contrário. Nas décadas de 70 e 80, o calado máximo permitido ia aos 10,5m ao ZH, sendo que a partir de meados da década de 90, esse mesmo valor de referência baixou para os 10m. Chega-se mesmo ao ponto de se apregoarem calados de 12m em determinados cais acostáveis, quando nenhum navio entra na barra com mais do que os aludidos 10m. Quanto às novas defensas e às alegadas melhorias das condições operacionais do terminal Ro-Ro, bem… também pudera! Ou não é o utilizador do porto que as paga integralmente através das altas taxas que lhe são cobradas? As tais taxas que em verdade comprometem a competitividade, em vez de a acrescentar.
Quanto ao resto que o marketing e a propaganda que a APSS vem acaloradamente propalando, são estudos, projectos e declarações de intenções, posto que quanto à obra feita, não são os louros desta administração. Mas o que ficará com certeza para a História como sendo da exclusiva responsabilidade desta Administração é o imbróglio e a barafunda com que conduziu o processo de atribuição das concessões nos terminais das chamadas Zona 1 e Zona 2 (Cais das Fontainhas). E, pelo andar da carruagem, o que aí virá com processos semelhantes, leia-se minados à partida, no que se refere às concessões para o terminal ro-ro e, em última análise, para o terminal graneleiro da Eurominas, onde ainda antes de definidas as regras do jogo, já o presumível “árbitro” decidiu favorecer uma das equipas com a atribuição por ajuste directo e portanto sem qualquer concurso público, de uma licença de utilização precária, onde se permite toda a série de atropelos às exigíveis normas de trabalho portuário, que não são legalmente permitidas em qualquer outro terminal.
A ANESUL tem um percurso de responsabilidade e seriedade institucional, que lhe advém de um profundo conhecimento da evolução do porto de Setúbal ao longo de mais de trinta anos, tendo sempre participado transversalmente com todos os Governos e com todas as administrações portuárias, na génese da sua evolução. O nosso único objectivo, enquanto associação profissional do sector, é tão só a defesa dos legítimos interesses do porto de Setúbal em primeira análise e, na sua decorrência, e das actividades económicas que lhe estão associadas e que são geradoras de riqueza e bem estar social. Nada nos move, pessoalmente, contra ninguém e muito menos contra pessoas com a urbanidade que decorre do exercício de qualquer cargo público em funções tão nobres como as de gestores portuários. Contudo, por uma questão de sã coerência institucional e mantendo-nos fiéis aos nossos objectivos, não podemos pactuar com acções gratuitas de mera propaganda, sabe-se lá com que ocultas intenções, onde se agitam as bandeiras do sucesso e do festim, quando afinal, toda a corte já ensaia as cerimónias fúnebres.
NOTA FINAL
É esta, pois, a realidade actual do porto de Setúbal. Uma realidade bem diferente daquela que a APSS, já a braços com as consequências negativas da política que delineou para as concessões no porto de Setúbal, pretende fazer passar para a opinião pública e para o governo, através da comunicação social.
Uma realidade que a ANESUL não pode deixar de denunciar sob pena de, a curto/médio prazo agravar irremediavelmente a situação do porto de Setúbal, com todas as consequências negativas daí decorrentes para a economia regional e nacional, para os clientes do porto e para todos quantos nele ou para ele trabalham.
Uma realidade que motivou já diversas queixas nos tribunais portugueses e nas instâncias comunitárias competentes, por parte de diversas entidades, nomeadamente a da Associação Europeia de Armadores.
Uma realidade que originou já a perda de diversas cargas e tráfegos (como, por exemplo, a linha West Africa, do importante armador Grimaldi e a perda, para o porto de Aveiro, de parte das exportações por via marítima da pasta de papel produzida na Portucel), como reacções de diversos carregadores de peso, como é o caso da Lusosider (produtos siderúrgicos) e da Chiquita Banana Company (fruta).
Daí que a ANESUL não possa deixar de concluir que, o porto de Setúbal necessita de uma mudança de rumo, a vários níveis. Mudança de mentalidades, mudança da estratégia de desenvolvimento, mudança na forma de gestão dum bem público fundamental para o país, colocando o porto ao serviço do interesse geral, ao serviço da economia nacional, dos exportadores, dos importadores e de quantos dele vivem."
Setúbal, Março de 2005
A Direcção
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